A mãe manda nele desde antes da
concepção. Se eu tivesse de escolher alguém para mandar, não o escolheria. Quem
manda bem, não manda em qualquer um não. Mandar é ter espírito de liderança, e
um bom líder é competente seletivo.
Quando eu o conheci, sabia que ele era
bronco feito um burro velho. Mas aí, me apaixonei assim mesmo. Logo, não sou
boa líder. Minha vida foi virando uma bagunça e eu fui ficando ainda mais sem
horizontes, porque se não sou boa líder, implica em não saber liderar a mim
mesma e entrei nessa de viver com o burro velho, bronco.
Um dia ele chegou em casa com sua mãe.
Ela já foi dando as ordens e eu fiquei só olhando e a perplexidade aumentando,
pois um homem que causava tanto efeito visual devia ter senso de
responsabilidade por sua própria imagem. Eu, em silêncio, tecia minhas
reprovações.
– Vá pintiá os cabelo,
Frederico! Onde já se viu um home
desse tamãi andano cuns cabelo desgrinhado!
– Tá bem, mãe.
Obediente, o burro velho ergueu seu um
metro e noventa da poltrona e andou a apanhar o pente. Levantou o braço no
sentido testa-nuca e, ao alcançar o centro do trajeto o pente parou, como
tivesse ouvido a ordem que vinha sequencial:
– Trais
um cafirzim. Num tem educação? Venho a tua casa e nem num me dá um cafirzim?
É claro que tomei como uma indireta,
mas relevei, porque as mães de burros-velhos são frustradas, portanto,
ranzinzas, dado o complexo de fracasso
e de uma vida inteira liderando um asno. Não acatei a ordem como ricocheteasse
dele para mim. Ignorei-a. Continuei fazendo o que antes fazia: cachos de uva
com uma caneta esferográfica sobre um papel, já com milhares de cachos
anteriormente desenhados. Parecia um parreiral. Gosto de uvas, gosto de seus
derivados. Do desenho pretensioso ao vinho; o cheiro... Viajo nas uvas!... Faço
delas uma terapia ocupacional, especialmente se a mãe do burro velho está
gritando a minha volta. Disse que sou tonta, certo dia. Isso eu ouvi, mas não
me ofendi. Estava me elogiando, eu acho. Ele trouxe o café. Ela sorveu um gole
e reprovou:
– Nossióra
dos fii reberdes! Qui diacho
de café horrive! Nem num sei se é o pó, se é o açúca
pôco, se é farta d’água... Jizuis! Se eu tomu isso, vô direto pru hospitar!
– Descurpe,
mãe, Santina gosta do café assim.
– Isso num é café! É água morna! Santina, ocê nem num vem falá cum eu não? Já tô quais ino de vorta pra casa e ocê aí, riscano nesse paper!
Eu não disse nada, e segui rabiscando.
Quanto mais ela falava, mais uvas eu rabiscava, mais rápido, mais veloz, mais
entusiasmada! Não estava ouvindo nada, nada, nada. De repente um estrondo. A
porta da sala bateu.
– Que ventania, meu love! Precisamos botar um pesinho aqui,
junto à porta, pra evitar que bata assim.
– Foi mamãe, num foi o vento, Santina.
– Sua mãe? Ela esteve aqui? Quando?
– Santina! Pru qui tem essa mania de quando mãe vem aqui, ocê se dispersa pru riba
desse paper e nem num iscuita nem num vê?
– Eu, meu love?
Ele fez uma tromba de burro
protestando, que é diferente da tromba de gente, e foi se embriagar. Ele bebia
e passava a mão no traseiro da Cristina. Ele, sóbrio, achava que o traseiro
dela era a reserva natural mais importante do país. Garantia que era original e
não tinha silicone. Puro, puro, purinho!
Trecho do livro: ARREBOL, de Maria Montillarez

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